Causas

Afinal, o que causa a gagueira?

A gagueira é conhecida há muitos séculos: Moisés é citado como a primeira pessoa com gagueira que se tem notícia. “Perdoa, Senhor; não sou de palavra fácil: minha língua é tarda” (Êxodo, 4:10). Embora seja um problema antigo e universal, presente na humanidade através de toda a História, até hoje suas causas não são totalmente conhecidas. Por que? Simplesmente porque não existe uma só causa que explique todos os casos de gagueira. E talvez, esta seja a única premissa em que todos os teóricos que se propõem a estudar a gagueira concordam: que não existe uma só causa para o aparecimento desta condição.

O que se sabe a respeito da gagueira?

Sabe-se que a gagueira:
– é um problema de infância, geralmente tendo seu início antes dos seis anos de idade.
– apresenta um padrão de incidência familiar.
– pode ser precipitada e perpetuada por certos eventos ambientais.
– tende a aparecer mais freqüentemente em crianças descritas como sensíveis, que podem ser mais vulneráveis ou susceptíveis à tensão.
– tende a exibir ciclos de freqüência e severidade em um mesmo indivíduo.
– consiste em grande parte em um comportamento de evitação e de fuga.
– é freqüentemente associada com a expectativa e a antecipação de sua ocorrência.
– é um problema pessoal: indivíduos que gaguejam podem relatar medo, frustrações, perda da auto-estima.
– é um evento psico-social. Em geral, as pessoas não gaguejam quando falam sozinhas, com bebês ou animais de estimação.

Ao longo dos anos, estudiosos propuseram algumas teorias quanto à sua etiologia. A gagueira seria:

1- O resultado de um conflito psiconeurótico; ou
2- Um problema neurológico; ou
3- Um comportamento adquirido.

Porém, sabe-se que nem todo conflito psicológico produz gagueira; como então justificar seu aparecimento? Por outro lado, a falta de especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem ou a hiperativação do hemisfério direito, não dominante para linguagem, têm sido razoavelmente aceitas como possíveis causas da gagueira, mas evidentemente, só em alguns casos. Como explicar a gagueira quando não estão presentes estas ou outras condições? Ou ainda, se foi um comportamento aprendido, por que este ocorreu?

O problema é complexo demais para ser reduzido a apenas uma causa. Há pessoas que gaguejam com algumas pessoas e não com outras; em algumas situações e não em outras. Como amalgamar estas teorias numa só?

Minha compreensão da etiologia da gagueira está fundamentada na teoria psicobiológica de Engel (1975) que reconhece a existência de fatores predisponentes (de origem genética e/ou neurológica), de fatores precipitantes (predominantemente ambientais) e fatores perpetuantes (incluindo medo e ansiedade) para o seu aparecimento e manutenção.

Assim entendida, pressupõe-se primordialmente uma causa orgânica (na maioria dos casos não detectada, não conhecida, que apareceria apenas como uma predisposição), seguida de um fator de origem psicológica que precipitaria o processo, que se perpetuaria num círculo vicioso de tensão muscular, medo e ansiedade. Quanto mais medo, mais luta, mais tensão, mais gagueira. Quanto mais gagueira, mais luta, mais medo, até que o processo seja identificado, interrompido e modificado.

* Fernanda Papaterra Limongi
Fonoaudióloga pela PUC-SP, com Pós-graduação e especialização em afasia e gagueira pela University of North Dakota, USA.