Causas

As Causas da Gagueira e a Clínica Fonoaudiológica

As pesquisas em torno da causa da gagueira prosseguem. Busca-se por explicações e respostas em diversas frentes: genética, neurológica, lingüística, farmacológica, psicológica, entre outras.

Não há dúvidas sobre a importância do fonoaudiólogo clínico manter-se atualizado no que se refere aos trabalhos científicos publicados e às pesquisas em andamento. Caso contrário, ele corre o risco de marcar passo em visões e abordagens comprovadamente ineficazes ou mesmo em manter práticas das quais desconhece o embasamento teórico, o que limita o alcance de sua intervenção terapêutica, dando-lhe a rigidez que se mantém cega à individualidade e idiossincrasias dos diversos indivíduos que gaguejam.

Podemos agrupar as possíveis causas da gagueira em fatores funcionais, orgânicos e/ou psíquicos de base, sejam estes hereditários ou adquiridos. Ou seja, podemos manter como estrutura básica de diagnóstico a tradicional diferenciação entre os quadros neurogênico, psíquico, taquifemia e gagueira do desenvolvimento. Temos ainda como um aspecto importante a ser considerado a possibilidade, já constatada na prática clínica, mas ainda não claramente definida no meio científico, de termos sub-grupos dentre as gagueiras do desenvolvimento. A terapia fonoaudiológica deve levar em consideração todas estas possíveis causas para definir suas condutas e também para tentar estabelecer um prognóstico.

Os demais fatores (social, psicológico, lingüístico, psicomotor e corporal) são vistos por mim como eventuais componentes, que podem interferir, trazendo maiores complicações ao quadro de base.

Em um nível mais minucioso temos ainda outros aspectos que podem estar perturbados, constituindo um adicional de dificuldade ao processo terapêutico e que devem ser levados em consideração, como a velocidade de fala, a articulação, a coordenação pneumo-fono-articulatória, o processamento auditivo, a utilização do aparato fonatório, as vivências pessoais, o potencial intelectual, as atitudes frente às frustrações, a capacidade de enfrentamento de problemas e outros. Todas estas citações constituem variáveis importantes que podem modificar o quadro de base e que não nos autorizam raciocinar em esquemas gerais quando buscamos o enfoque terapêutico adequado a determinada pessoa.

Na clínica fonoaudiológica, parto do princípio de que todos os estudos da área são essenciais para que possamos ter um olhar mais aguçado no contato com o paciente, para que possamos pesquisar de modo mais amplo e objetivo o que ocorre com aquele indivíduo e a partir daí elaborar trajetos terapêuticos que sejam eficazes na resolução das perturbações que o mesmo apresenta. No entanto, costumo sempre frisar, que é preciso ter o discernimento de saber que as pesquisas buscam por generalidades das patologias e que o fonoaudiólogo clínico lida com a individualidade. Deste modo, mesmo que as pesquisas conseguissem indicar que 99% das pessoas que gaguejam apresentam determinadas características – o que não ocorre na realidade – aquela pessoa, que procurou o fonoaudiólogo em busca de alívio para suas dificuldades, poderia representar o 1% que foge aos dados estatísticos. Nada mais acertado que abordá-lo como indivíduo que é – e não como pretenso representante de uma amostra homogênea de um quadro geral.

Temos, inclusive, na prática da área da saúde, o termo “paciente de livro” para se referir aos pacientes que apresentam todas as características dos estudos teóricos, tal como são elencados nos livros científicos. Este termo demonstra quão raros estes pacientes são.

Assim, em minha avaliação terapêutica, valorizo profundamente o trabalho de nossos pesquisadores da área, estudo-os com toda a atenção, respeito muito suas conclusões, mas mantenho-me alerta para utilizar toda a gama de conhecimentos obtidos a favor do paciente, sem tentar encaixá-lo em nenhuma teoria ou abordagem.

Lembro aqui, da “hipótese-diagnóstica”, termo que foi muito usado na Fonoaudiologia e que parece ter caído em desuso. Ele definia bem a idéia de que nosso diagnóstico só se fecha no encerrar do processo de fonoterapia, ou seja, o estudo do que ocorre com determinado indivíduo está em aberto, é questionável durante todo o desenrolar do trajeto terapêutico. Nestes termos, um indivíduo que tem a questão hereditária presente, terá a princípio um prognóstico menos favorável que outro que não a tenha, mas até um dado concreto e objetivo como este será revisto no andar do processo terapêutico, uma vez que o que consideramos hereditário pode ser revelar como uma postura familiar ante as disfluências, que favorece seu agravamento. Alguns dados podem ser imutáveis, como os acidentes neurológicos, mas outros podem e devem ser reconsiderados. É no passo a passo que vamos definindo nossa visão da origem desta gagueira, em passos que são guiados pelos dados que vão surgindo ou vão se tornando mais claros no decorrer do trabalho terapêutico, sendo guiados também pelas modificações observadas, pela aceitação ou recusa do paciente em determinadas propostas, pelo efeito de um novo modo de comunicação que se constrói a partir do relacionamento entre o terapeuta e o paciente, pelos objetivos de fala fluente que são atingidos, pelas modificações que o paciente consegue realizar em sua vida de um modo mais geral.

Em suma, é na flexibilidade consciente e responsável da transposição da teoria para a prática que deve se situar a atuação clínica fonoaudiológica, juntamente com a busca da sedimentação teórica do vivenciado na prática.

* Eliana Maria Nigro Rocha Fonoaudióloga clínica. Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC-SP. Fonoaudióloga responsável pelo Ambulatório de Fluência do Hospital do Servidor Público Estadual – SP