Tratamentos

Aspectos Auditivos da Gagueira: Avaliação e Tratamento

De 16 a 22 de outubro de 2005

Introdução: No campo das desordens da fluência da fala, a gagueira é o quadro mais reconhecido e estudado.É uma desordem muito complexa e de difícil definição. Entretanto, a maioria dos ouvintes é capaz de reconhecer quando alguém está gaguejando ou não. Muito provavelmente, isto se deve principalmente à escuta das disfluências que caracterizam a fala de um indivíduo que manifesta gagueira. Tal fato sugere que a ocorrência de disfluências é um dos aspectos mais importantes para a identificação da gagueira, sendo por isso, mais diretamente, associada ao plano da execução motora da fala. Entretanto, uma observação mais atenta das disfluências revela que estas não ocorrem ao acaso na fala do indivíduo gago, mas dentro da estrutura lingüística do enunciado. É de consenso na literatura, que há uma variedade de fatores que podem afetar a probabilidade das disfluências ocorrerem, tais como: lingüísticos, laríngeos, motor, auditivo, entre outros. Não é uma tarefa fácil compreender como estes fatores contribuem para as disfluências na fala.

Estudos têm investigado diferentes aspectos do mecanismo de fala, incluindo o sistema auditivo. Alguns pesquisadores têm levantado a hipótese de que a gagueira poderia ser o resultado de erros de como o indivíduo houve sua própria fala. Outros têm realizado especulações a partir do modo pelo qual indicadores auditivos alteram as rupturas na fala dos gagos, como por exemplo, a melhora na fala sob condições de feedback auditivo atrasado ou de mascaramento. Esses indicadores têm levado inúmeros pesquisadores a enfocar a integridade funcional do processamento auditivo central e periférico nos gagos, comparativamente com os falantes fluentes (Curry e Gregory, 1969; Hall e Jerger,1987; Tosher e Rupp, 1978;Kramer et al,1987; Maiorino, 1993; Schiefer, et al, 1999; Andrade e Schochat, 1999; Gil, et al, 2004, 2005), entre outros. Esses trabalhos visam relacionar o desenvolvimento da audição à fala disfluente. De acordo com Musiek, 2000, estudos com processamento auditivo visam compreender como as orelhas comunicam-se com o cérebro e como o cérebro compreende o que os ouvidos lhe contam.

Processamento auditivo é o termo utilizado para se referir a serie de processos que envolvem predominantemente as estruturas do sistema nervoso central (vias auditivas e córtex). A desordem do processamento auditivo é um distúrbio da audição no qual há um impedimento da habilidade de analisar e/ou interpretar estímulos auditivos (Pereira, 1997).

A avaliação do processamento auditivo permite o diagnóstico do processo gnósico auditivo do indivíduo. Ela tem sido utilizada através da aplicação de testes comportamentais que mostram o desempenho do indivíduo frente à solução de uma tarefa difícil. Na clínica fonoaudiológica, este procedimento tem sido complemento da avaliação de diferentes desordens da fala e da linguagem e auxiliar no planejamento da reabilitação.

A seguir, para exemplificar os pressupostos teóricos acima discutidos apresentaremos um estudo recente realizado com foco nas habilidades auditivas.

Objetivo: Esta apresentação visa contribuir, por meio dos achados fonoaudiológicos, para uma melhor compreensão dos aspectos de natureza auditiva em indivíduos que manifestam gagueira. Método: Foram selecionados 11 indivíduos com diagnóstico de gagueira na Avaliação Fonoaudiológica, oriundos de um ambulatório de atendimento fonoaudiológico público (Hospital Universitário), durante o 1º semestre de 2005. Os participantes (7 homens / 4 mulheres) tinham idades entre 10 e 35 anos. Na avaliação da audição, todos apresentavam acuidade auditiva dentro dos padrões de normalidade. Os testes para avaliação do processamento auditivo foram selecionados e analisados de acordo com a idade do participante e a proposta de Pereira & Schochat, 1997.

Resultados: Dos 11 indivíduos investigados 10 (91%) apresentaram alteração na avaliação comportamental do Processamento Auditivo, sendo 3 sem alteração de grau, 3 de grau leve e 5 de grau moderado. Os processos gnósicos que se mostraram mais freqüentemente prejudicados foram: decodificação (100%), não verbal (80%), codificação (40%) e organização (20%). Cabe ressaltar, que em todos os casos, foi observado envolvimento de dois ou mais processos gnósicos auditivos, sendo que apenas um deles foi classificado com distúrbio do desenvolvimento da audição. A categorização para classificar as desordens do processamento auditivo e melhor conduzir as habilidades que deverão ser enfatizadas na terapia fonoaudiológica, foi proposta por Pereira, em 1997.

Neste estudo, não foi possível verificar correlação entre o grau de alteração da fluência, verificado por meio do protocolo SSI-3 Stuttering Severity Instrument (Riley, 1994), e o grau da desordem do Processamento Auditivo, neste grupo de indivíduos.

Conclusão: Pela tendência das alterações encontradas nas avaliações realizadas, acredita-se que há uma correlação entre o processamento das informações auditivas e a gagueira. Os dados obtidos são semelhantes aos encontrados no estudo realizado por Schiefer e Pereira, em 1999. Entretanto, em continuidade aos estudos já realizados na área auditiva, acredita-se que outras investigações devam ser conduzidas para ampliar o conhecimento.

O desenvolvimento e o aperfeiçoamento das habilidades auditivas podem contribuir para a reabilitação de indivíduos com alteração da fluência, já que o prejuízo da análise auditiva mostrou-se muito freqüente.

Com base nos pressupostos teóricos aqui discutidos e nos achados fonoaudiológicos observados, acredita-se que o processo terapêutico de indivíduos com diagnóstico de gagueira e alteração do processamento auditivo devem incluir tanto estratégias para treinamento das habilidades de fala (respiração, fonação, articulação e prosódia) quanto para treinamento das habilidades auditivas referentes aos processos gnósicos que se mostraram mais freqüentemente prejudicados (decodificação, não verbal, codificação, e organização). Desse modo, quando houver prejuízo do processo de decodificação, as habilidades auditivas de consciência fonológica (análise e síntese) associada à leitura deverão ser enfatizadas; quando houver prejuízo do processo não verbal (padrões temporais), os aspectos de intensidade e duração da fala deverão ser enfatizados; quando houver prejuízo do processo de codificação, o treinamento da linguagem no ruído (figura – fundo) deverá ser enfatizado; e quando houver prejuízo do processo de organização o treinamento da memória para sons em seqüência (sons verbais e não verbais) deverá ser enfatizado na terapia fonoaudiológica. Estes procedimentos poderão ser utilizados com crianças e adultos com diagnóstico de gagueira confirmado, durante o período necessário para minimizar as manifestações.

Para finalizar, cabe ressaltar que o conhecimento dos processos auditivos envolvidos na dinâmica da fala poderá ampliar a compreensão de como alguns indicadores auditivos alteram as rupturas na fala dos gagos e levar a uma melhora na terapêutica com indivíduos gagos.

Ana Maria Schiefer é fonoaudióloga (CRFa 2366/SP), doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP-EPM, professora do Curso de Fonoaudiologia UNIFESP-EPM e autora de capítulos de livros e artigos científicos.