Causas

Causas da Gagueira

O que diz a literatura:
No século passado os estudos sobre gagueira se intensificaram e a primeira pesquisa formal sobre gagueira foi realizada. Desde então a causa da gagueira tem sido objeto de estudo de pesquisadores e clínicos. Muitas teorias foram elaboradas, atribuindo à gagueira causas diversas, aceitas por alguns, rejeitadas por outros. Os estudos apontavam para direções diferentes: causas orgânicas, psicológicas e de comportamento aprendido. Wendell Johnson, um pioneiro, disse que a causa da gagueira era devida a um diagnóstico errado dos pais, que rotulavam de gagueira uma disfluência natural na infância. Joseph Sheehan afirmava que a gagueira era causada por um conflito decorrente do fato de que o gago tanto desejava falar como não falar. Dominância cerebral, fatores hereditários, feedback auditivo, também foram pesquisados e por alguns, apontados como causa da gagueira. Estas propostas não eram totalmente aceitas pela comunidade cientifica e os mais conciliadores, Van Riper, por exemplo, preferiam dizer que a gagueira era multicausal e dessa forma, davam razão para todos os pesquisadores que se debruçavam sobre o enigma da causa da gagueira.

Imitação, susto, quedas com batidas na cabeça, são causas comumente atribuídas pelo senso comum, sem nenhum fundamento.

Atualmente, existem projetos de pesquisa, executados por grupos fortes, universidades importantes, com grande investimento financeiro, uso de tecnologia de ponta, que procuram identificar traços que justifiquem o aparecimento da gagueira.

Dois grandes grupos se distinguem nas pesquisas atuais: os que através de técnicas de neuroimagem procuram observar diferenças na ativação cerebral em gagos e não gagos e os que procuram marcas genéticas correlacionadas ao aparecimento da gagueira. Nenhuma pesquisa é conclusiva, mas alguns achados são divulgados por esses grupos.

Os pesquisadores que estudam a ativação cerebral apontam diferenças entre gagos e não gagos, que se referem principalmente ao planejamento e execução de áreas motoras da fala. Há a informação de que em ambos os grupos as mesmas áreas são ativadas e a diferença está na intensidade dessa ativação.

Além de não haver total concordância entre os cientistas que estudam esta área, uma questão importante surge como resultado de seus achados: a questão é se as alterações observadas são causa ou conseqüência da gagueira, isto é, se o gago já traz consigo uma disfunção que se evidencia na função cerebral ou se a gagueira imprimiu esta marca no cérebro do gago. Esta é uma questão ainda não respondida pelos cientistas.

Com relação à pesquisa genética existem avanços importantes, mas também não conclusivos. Várias pesquisas apontam o cromossomo 12 como sendo o que contém um gene que seria o responsável pela gagueira. Este é um achado significativo, mas há ainda um longo trabalho a ser feito. Este gene ainda não foi identificado e os pesquisadores buscam conhecer o seu código genético e como ele age em pessoas gagas e não gagas.

A possibilidade de que existam outros cromossomos envolvidos também é considerada.

Outra questão precisa ainda ser respondida: o gene que os cientistas julgam ter relação com a gagueira é o responsável pela causa da gagueira ou significa apenas um risco, uma possibilidade do indivíduo desenvolver gagueira e precisa estar associado a outros fatores (ambientais, por exemplo)?

Apesar da imprecisão dos resultados, os estudos atuais têm avançado de forma significativa e espera-se para breve, resultados mais conclusivos.

O meu ponto de vista:

O que penso sobre a causa da gagueira se apóia em um longo tempo de observações e atuações clínicas.

Já em meu primeiro livro, digo acreditar que existe no gago uma tendência genética para a gagueira, que chamei de Gagueira Original. Esta seria o traço, a característica que daria ao gago a possibilidade de gaguejar. Este traço permanece no gago, mesmo quando, após terapia ele consegue manter fala fluente.

Tendo este traço, o indivíduo desenvolveria o que chamei de Gagueira Construída. Esta é formada pelo gago em seu corpo pela ação atípica de determinados grupos musculares que impedem o fluxo normal da fala e que podem tender tanto para a hipertonia como para a hipotonia. Cada gago forma a sua gagueira que é única e durante a vida ele a constrói, “mapeando” a ação muscular que forma a gagueira. Esta ação muscular “escolhida” pelo gago é fruto de sua tentativa para não gaguejar. Ele em geral força, segura, empurra, para que a fala saia, e acaba por estimular o uso de grupos musculares que não pertencem a uma fala fluente e que passam a constituir sua gagueira. Assim a gagueira é construída de forma dinâmica e individual.

Os grupos musculares que formam a gagueira estão invariavelmente presentes na região oral, cervical e diafragmática, mas em alguns gagos eles podem estar na região ocular, pélvica ou em qualquer outra parte do corpo.

A gagueira construída é a que recebe o rótulo e é ela que é trabalhada em terapia.

É preciso considerar as reações do indivíduo à sua gagueira e entender os sentimentos expressos que estão relacionados ao problema. O gago pode ter reações de medo, angústia, tristeza, insegurança e pode também reagir e lidar com sua dificuldade com equilíbrio, sem sofrimento. É importante entender que qualquer que seja o sentimento ou atitude relacionada à gagueira, esse sentimento ou atitude não pode ser considerado a causa da gagueira nem pode ser visto como parte da gagueira. Estes são apenas sentimentos e atitudes de uma pessoa com relação a seu problema que, certamente, podem interferir e contribuir para aumentar ou diminuir a severidade da gagueira.

Mesmo lidando apenas com hipóteses e alguns achados sobre a causa da gagueira, é possível conhecê-la e “desconstruí-la”, ajudando o indivíduo a desenvolver consciência de seu corpo e sua fala, a equilibrar o tônus dos grupos musculares que formam a gagueira e a manter fala fluente. Esta é uma possibilidade acessível a todos os indivíduos gagos.

MARIA ISIS MARINHO MEIRA

Graduação:
§ Fonoaudiologia
§ Psicologia

Pós-Graduação:
§ Mestrado em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas – tema: Linguagem – PUC-SP
§ Doutorado em Psicologia Clínica – tema: Gagueira – PUC-SP

Especialização:
§ Especialista em Motricidade Oral pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia.
§ Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia.
§ Especialista em Gagueira pelo Northwestern University e Speech Foundation of America.

Docência:
§ Professora Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP.

Associações:
§ Membro da International Fluency Association

Livros Publicados:
§ Gagueira: do fato para o fenômeno. Ed. Cortez
§ Tratando Gagueira – diferentes abordagens (Org.) – Ed. Cortez