Causas

Causas da Gagueira

Gagueira é um distúrbio de fluência que acomete pessoas independentemente de raças, de níveis socioeconômicos e culturais e de graus de escolaridade. Antes de falar sobre suas causas, é preciso entender o senso comum, que diz que gagueira tem origem psicológica, advinda de algum susto, trauma na infância, perda de familiares, ou nascimento de outros. Estas supostas “causas” não têm comprovação científica. Por outro lado, as especialidades que compõem as neurociências têm nos dado esclarecimentos sobre gagueira que até há pouco tempo eram inimagináveis. Os neurocientistas têm publicado neuroimagens das áreas do cérebro envolvidas com o processo da fala que permitem ver, com clareza, onde estão e quais são as diferenças entre as atividades neuronais de pessoas fluentes e pessoas não-fluentes. Os estudos provenientes da genética também têm auxiliado significativamente na compreensão dos fatores hereditários relacionados com boa parte das pessoas que gaguejam.

QUAIS SÃO AS CAUSAS DA GAGUEIRA?
Indo direto ao ponto, as causas da gagueira ainda não são completamente conhecidas. Muitos dizem que o pensamento é muito rápido e a boca não acompanha esta velocidade. Na verdade, o pensamento é veloz. Conseguimos ter soluções ou idéias em um piscar de olhos. O problema não é a rapidez do pensamento. É sim a dificuldade do cérebro em coordenador os movimentos necessários para a produção de uma fala fluente. Há uma série de fatores envolvidos com a produção de uma fala gaguejada, e por isso ainda não se pode dizer explicitamente qual é a causa. Muitas áreas do cérebro são responsáveis pela transformação do pensamento num ato motor (a fala), e ainda faltam explicações científicas mais aprofundadas. Portanto, não se pode dizer que gagueira tem causa definida e, menos ainda, que a causa seja puramente emocional ou psicológica. Temos que considerar pelo menos 4 aspectos ao falarmos de causas da gagueira.

1) Aspectos genéticos
Mais de dois terços das pessoas que gaguejam têm parentes de primeiro e/ou segundo graus que também apresentam gagueira ou dificuldades de fala e linguagem. Estudos na genética já encontraram a participação de vários cromossomos relacionados à gagueira.

2) Aspectos psicológicos
Há ainda muitas controvérsias a respeito dos paradigmas que norteiam o entendimento da gagueira. Charles Van Riper, um dos fundadores da Fonoaudiologia nos Estados Unidos, com doutorado em Psicologia, que gaguejava severamente, já em 1939 dizia que gagueira não tinha origem psicológica. Contrariamente às idéias do senso comum, hoje sabe-se que é a gagueira que pode desencadear dificuldades psicológicas relacionadas ao ato de comunicar-se. Quer dizer que dificuldades emocionais podem surgir como conseqüência da gagueira, não como causa. Costuma-se ouvir que as pessoas gaguejam quando estão nervosas. Em parte, isso é verdade. Tensões emocionais e corporais alteram a fluência das pessoas em geral, com ou sem gagueira. É importante saber que para gaguejar não precisa necessariamente haver nervosismo ou tensão.

As pessoas que gaguejam NÃO são nem mais nem menos ansiosas ou depressivas ou inteligentes do que a média das pessoas fluentes. Suas atitudes de comunicação menos positivas são consideradas uma resposta racional à experiências anteriores mal sucedidas, já que a anormalidade da fala provoca uma reação emocional negativa, que altera o nível de certas substâncias neuroquímicas no cérebro.

3) Aspectos neurofisiológicos
Estudos realizados através de várias técnicas de captação de neuroimagens, têm mostrado que a base neurológica da gagueira está associada com algumas anomalias nos mecanismos neurais do controle do ato motor da fala nas áreas responsáveis pela fala e linguagem.

Falhas na ativação normal do lóbulo temporal do hemisfério esquerdo durante a fala, dificultam a organização do planejamento dos sons da fala que é processado nas regiões pré-motoras do cérebro. Já se sabe quais são as várias áreas dos cérebros dos que gaguejam que têm funcionamentos diferentes do que seria esperado. O que ainda se desconhece é por que ocorrem estas alterações.

4) Aspectos sócio-comportamentais
É ruim não saber a causa da gagueira? Sim, é ruim. Mas admitir que se desconhece sua causa é mais honesto do que atribuir à gagueira causas que não são comprovadas pela ciência. Desta forma, o portador tem sua carga de dificuldades diminuída, já que a carga das questões emocionais fica significativamente reduzida.

Numa sociedade de falantes e ouvintes, a fala fluente agrega prestígio, respeito e aceitação. Falas gaguejadas são diferenças fáceis de perceber. Resultam, muitas vezes, em uma menor aceitação do indivíduo no seu meio, e, conseqüentemente, em menor prestígio. Rupturas na fala parecem dificultar os acessos ao mundo dos fluentes na medida em que ainda predominam as idéias do senso comum de que a gagueira tem como origem um problema emocional. Porém, o exercício do respeito e do cuidado é sempre muito benéfico.

* Anelise Junqueira Bohnen, Mestre em Fonoaudiologia pelo IthacaCollege, USA. Doutoranda do Instituto de Letras da UFRGS. Presidente do Instituto Fala & Fluência. Autora do livro Sobre a Gagueira