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Os desafios de administrar os distúrbios da comunicação no mercado de trabalho


Foto: Gina Mardones

Fonte: Folha de Londrina

O mercado de trabalho em si carrega muitos desafios, seja para quem procura uma vaga ou deseja se manter ativo nele. Para algumas pessoas, porém, os obstáculos são ainda maiores, pois são relacionados a limitações e acabam influenciando na área corporativa. É o caso daqueles que têm distúrbios da comunicação, como gagueira e taquifemia (relacionada a velocidade da fala). Apesar das dificuldades, se bem administradas estas situações podem ser superadas, o que depende do candidato e do empregador.

De acordo com Françoise Zanoni, gestora de recursos humanos, é interessante que a pessoa coloque no currículo a disfluência se tiver um grau elevado. “Assim o recrutador vai conseguir ver se encaixa ou não naquele perfil. Quanto mais sincero melhor”, destaca. Ela afirma que os distúrbios ligados à fala não são problema, mas que em algumas funções podem afetar diretamente no desempenho. “Para uma área comercial, por exemplo, que exige muita comunicação, dificulta no momento de passar o entendimento correto do produto, mas em outras áreas não atrapalha, com certeza.”

Com origem neurológica, os distúrbios da comunicação não são causados por fatores emocionais ou psicológicos, entretanto eles interferem. Num momento de entrevista, manter a calma é primordial. “As vezes a pessoa fica tão nervosa que não passa o conhecimento. Por mais que o currículo esteja ali, não fala detalhes dela e o entrevistador quer saber da experiência. Então é necessário ver aquele momento como uma conversa e não pressão. O entrevistador também tem que proporcionar esta sensação. Na era tecnológica, o que se busca é perfil, atitude”, orienta. “Algo que ajuda, e isso no geral, é falar devagar, pois temos mais controle”, esclarece a fonoaudióloga Liliam Vilela.

CONSCIÊNCIA
Mestre em distúrbio da comunicação, Vilela ressalta que a consciência é a principal fórmula para saber administrar as adversidades. “Assim pode fazer terapia e melhorar. Ter consciência é essencial, pois a pessoa pode tomar para si algumas posturas que vão ajudar. Se for adulto e tiver muita alteração vai ter acompanhamento fonoaudiológico até um certo momento e se ver que não evolui, que é mais um fator emocional que faz disparar as disfluências, pode ter um apoio psicológico junto”, explica. Com tratamento correto, a gagueira pode ser recuperada em cerca de 90%.

Num mercado que exige profissionais cada vez mais articulados, o pensamento geral pode levar a crer em certas ocasiões, de maneira equivocada, que os distúrbios na comunicação são sinais de insegurança ou fragilidade. “No nosso País este público é tido como se não tivesse conhecimento, como se fosse leigo ou não seja capaz de expor. É algo que precisa ser corrigido desde criança, na escola, pois precisam aceitar a dar este tempo para o outro responder”, sugere a fonoaudióloga, que é colaboradora do IBF (Instituto Brasileiro de Fluência).

INCLUSÃO
As empresas também carecem de denotar um cuidado especial ao ter entre seus colaboradores alguém com disfluência. Entre as medidas a serem adotadas está orientação aos demais funcionários, com o objetivo de evitar brincadeiras ou outros constrangimentos. “Ultimamente as empresas estão de adaptando às novas necessidades, que é a inclusão. A instituição precisa ‘vestir a camisa’, pois ao contrário será prejudicada, não irá ter rendimento, desestrutura a equipe”, aponta Françoise Zanoni, da RH Talentos de Londrina. “Após a contratação o acompanhamento tem que ser geral, ver se está tendo problemas”, completa.

Representante da Abra Gagueira (Associação Brasileira de Gagueira), Amanda Cristina Jacob adverte que algumas formas de contratação estão defasadas e não promovem inclusão. “Falta equidade dentro do processo seletivo. Existem entrevistas online e que tem tempo para responder, outras fazem dinâmica de grupo ou até mesmo envio de vídeos com resumo do perfil. Quem tem a disfluência sai em desvantagem. Não questionam na ficha de inscrição se a pessoa tem distúrbio da comunicação e o grau. A lei brasileira ainda precisa se desenvolver nesta parte”, opina. Projeto de lei do Senado prevê que mudos e gagos sejam considerados pessoas com deficiência.

Entidades prestam apoio

Funcionando em Londrina há aproximadamente um mês, a Abra Gagueira (Associação Brasileira de Gagueira) tem o intuito de colaborar com o desenvolvimento da pessoa com gagueira em todos os aspecto. Isto ocorre por meio de encontros direcionados exclusivamente a este público, como espaço de troca de experiências e de orientação. “Levei 24 anos para me aceitar e foi só quando procurei ajuda. Acham que é simples, porém não é. Sempre estamos ‘fugindo’ disto”, conta Amanda Cristina Jacob, hoje com 26 anos.

Os encontros do grupo de apoio são mensais e num shopping na região leste da cidade. “Muitos têm problema de falar em público e com o relato do outro, que já superou isso, posso me encorajar. Meus sonhos eram muitos grandes e não levava em contata a limitação. Atualmente estou muito mais pés no chão”, comemora a engenheira ambiental. A associação existe desde 2004 e está presente em diversas cidades do Brasil.

Com trabalho que abrange a família de quem tem o distúrbio da comunicação, o IBF (Instituto Brasileiro de Fluência) também promove encontros rotineiros em Londrina, sendo mais um ponto de referência para encontrar esclarecimentos e desenvolvimento, que refletem na vida profissional. “São informações técnicas que vão dar respaldo para familiares e pacientes. Muitos evitam falar e isto é uma das piores consequências. A fala é nosso meio de comunicação e se foge disso se sentem retraídos, têm medo de serem julgados”, evidencia a fonoaudióloga Liliam Vilela. Em ambos as instituições as reuniões são gratuitas e abertas a todas as idades.

‘Tinha medo de não conseguir trabalho’

Hoje trabalhando como secretária em uma clínica de fonoaudiologia em Londrina, Ana Luiza de Amorim Sousa, 20, foi vencendo aos poucos as objeções da área corporativa e o receio do contato com o público em geral. Pessoa com gagueira, descobriu o distúrbio ainda criança, quando iniciou tratamento. Sua disfluência é considerada grave.

No terceiro emprego desde que ingressou no mercado de trabalho, teve a primeira oportunidade por convite de um empresário da igreja que frequenta. “Tinha medo de não conseguir trabalho. Tive a chance de atuar numa loja online e evitava atender as pessoas. Meu segundo emprego foi por indicação e era na área de e-commerce de uma livraria. Neste era mais exigida de utilizar o telefone para falar com outras lojas. O pior era conversas com clientes, pois não estavam me vendo, então não sabiam da minha gagueira”, relembra. No caso da jovem, o distúrbio está relacionado a questões genéticas.

Antes ocupar a função como secretária na clínica, Ana teve experiências em entrevistas, que acabaram não dando certo. “Numa entrevista para trabalhar com autistas não fui aceita pois minha fala poderia interferir no desenvolvimento do paciente. Já aconteceu muito de tentar convencer alguém e não conseguir, porque a gagueira me atrapalhou”, cita ela, que está no primeiro ano do curso de psicologia.

Ainda encontrando dificuldades no ambiente acadêmico, como apresentar trabalhos e tirar dúvidas durante a aula, espera um futuro bem-sucedido em todos os sentidos. “Espero que meu medo de gaguejar não influencie naquilo que quero. Achei que nunca entraria numa faculdade e hoje estou em uma, achei que não ia ter carteira de habilitação e estou habilitada. Aos poucos vou superando”, projeta. “Atualmente estou feliz e tendo uma experiência legal. Ainda bem que sempre trabalhei com pessoas que me respeitam.”