Tratamentos

A Re-Adaptação Lingüística na Terapia da Gagueira

De 16 a 22 de outubro de 2005

A gagueira pode ser definida como uma dificuldade no planejamento motor da fala, o que pode explicar porque, em alguns momentos, a fala da pessoa que gagueja é lenta e difícil de ser produzida.

Kolk e Van Grunsven (1985) observaram que a fala de pacientes afásicos com agramatismo não era o resultado do impedimento em si, mas do efeito de adaptação ao distúrbio. Logo, na visão dos autores, os sintomas agramáticos eram causados por estratégias de adaptação ao impedimento na fala, não sendo, portanto o resultado imediato do distúrbio em si. Esta teoria foi posteriormente aplicada à gagueira por Postma e Kolk (1993), onde os episódios de gagueira passaram a ser vistos como o resultado do efeito de estratégias de adaptação e correção do impedimento à fala. Tal hipótese teórica foi chamada de Covert Repair Hypotesis – CRH (Postma e Kolk, 1993).

Podemos entender a partir desta proposta que entre o impedimento à fala e sua produção estão a pessoa que fala, com sua história e sua estrutura afetiva e o sistema lingüístico, com suas regras e processos. Assim, a pessoa que gagueja ao perceber um impedimento à produção imediata de sua fala, vai disparar estratégias de auto-correção de acordo com a estrutura lingüística. Estas estratégias podem ser:

Aparentes: quando o erro pode ser observado na fala, como no caso das repetições, prolongamentos e bloqueios.

Ocultas: quando o erro não pode ser observado na fala, mas manifesta outros traços de correção aparentes como pausas silenciosas ou plenas, revisões e substituições.

Estas estratégias demonstram que o falante pode detectar erros de planejamento de fala. Desta forma, ao repetir uma palavra funcional (preposição, artigo) o falante estará adiando a palavra que não está pronta para ser produzida, no caso de uma repetição de sílaba sua estratégia está sendo de rever o erro de planejamento recomeçando a produção da palavra. Alguns falantes buscam estratégias de substituição da palavra que não está pronta para ser articulada.

As estratégias de correção são involuntárias e muitas vezes não são produtivas, mas fazem parte de um processo de adaptação à gagueira que persiste em muitos casos, por anos. Na terapia, busca-se mudar a estratégia de adaptação e correção, ou seja, busca-se uma re-adaptação ao impedimento lingüístico. Ao invés de fazer bloqueios, prolongamentos e repetições frente a uma palavra que não está pronta para ser produzida, tenta-se a utilização de uma pausa silenciosa e a articulação ocorrerá no momento em que o planejamento motor estiver concluído. Na terapia busca-se conscientizar a pessoa que gagueja das estratégias de adaptação das quais faz uso e partir daí mudar a forma de lidar com o impedimento à fala. Esta mudança se dá de maneira consciente através da observação do padrão atual de fala e da análise da fluência. Após esta análise, que é feita em conjunto com o terapeuta, busca-se na terapia tentar um outro padrão. Esta mudança pode levar semanas ou meses, é difícil prever, uma vez que estamos lidando com a individualidade de cada pessoa. Ao mudar as estratégias que buscam reparar o impedimento lingüístico, a pessoa que gagueja está fazendo uma re adaptação frente à gagueira, assumindo desta forma o controle sobre sua fala.

Mônica Medeiros de Britto Pereira é fonoaudióloga (CRFa MG/T 0048), doutora em Lingüística (Universidade Federal de Minas Gerais), coordenadora do Mestrado em Fonoaudiologia – Universidade Veiga de Almeida – RJ e autora de livro, capítulos e artigos científicos e organizadora de livros.