Causas

Causas da Gagueira

Depois de um tempo tratando de pessoas com gagueira comecei a considerar que esse modo de falar poderia não ser causado por um problema orgânico, como propõem as teorias em geral, porque de todos os pacientes (ou pais dos pacientes) ouvia relatos sobre períodos de melhora e de piora e de circunstâncias em que a fala se apresentava sem gagueira.

Essas circunstâncias eram do tipo: falar sozinho, falar com crianças pequenas, falar com animais de estimação. Chamou-me a atenção que nelas era evidente uma relação entre o aparecimento da gagueira e a possibilidade de ser julgado pelos outros, já que as situações sem gagueira eram sempre aquelas em que o julgamento do outro está fora de questão.

Isso levou-me a pesquisar a possibilidade de ser a gagueira causada pelo modo com funciona o psiquismo diante de certos valores, crenças e ideologias que circulam na sociedade. Para tanto estudei terias psicossociais e psicanalíticas que mostravam como valores, crenças e ideologias passados de pessoa a pessoa no convívio no cotidiano, atuam como moldes do funcionamento psíquico.

No caso da gagueira o estudo mostrou-me que esses moldes são a ideologia do bem falar e rejeição de padrões de fala disfluentes na infância.

A ideologia do bem falar circula na sociedade (não apenas no Brasil, mas no mundo em geral) e produz nas pessoas uma visão ou crença de que a fala saudável deve ter pouca ou nenhuma disfluência.

A disfluência, porém, é parte integrante e natural da fala fluente das pessoas. Ela aparece em graus variados de acordo com os diferentes estados emocionais do falante e da maior ou menor familiaridade que ele tem com aquilo que pretende dizer.

Sem essa compreensão, padrões disfluentes de fala que comumente aparecem no discurso das crianças são entendidos com sendo gagueira e são rejeitados nas relações de comunicação. Os modos típicos dessa rejeição, alguns explícitos, outros velados, são: frases como fale direito, respire antes de falar, fique calmo e pense antes de falar; risadas e imitações da disfluência; não olhar para o falante; não responder ao que ele diz, entre outras possibilidades.

Se a criança da valor a essas reações dos outros, no seu psiquismo poderá forma-se uma imagem de mau falante, um falante que ela não gostaria de ser. Isso poderá levá-la a ter medo de sua maneira espontânea de falar. Ao mesmo tempo, sua vontade natural será de tentar corrigir a fala para não ser rejeitada.

Essa pode ser uma situação psíquica bastante problemática para a produção da fala se entendermos que todos nós, os falantes, sabemos falar, mas não sabemos como falamos. Sendo assim, se por um lado a imagem de mau falante leva a criança temer sua fala espontânea, porque nela podem aparecer disfluências, de outro ela não sabe como fazer para falar de outro modo e corrigir-se.

Essa condição de fala tem como efeito o aparecimento de tensões musculares na pronuncia dos sons das palavras. A disfluência, assim, modifica-se de tal modo que, além de trocas de palavras, surgem bloqueios na fala, muitas vezes acompanhados também de movimentos com o corpo (cabeça, mãos, pés), na tentativa de soltar o som bloqueado.

Nessa condição de fala, quanto mais o falante tenta falar bem, mais se produzem tensões na sua fala as quais mantém e reforçam a imagem de mau falante, que, por sua vez, mantém as tensões. Tem lugar, assim, ao padrão de fala conhecido como gagueira.

Chegamos aqui uma breve explicação da causa da gagueira baseada num funcionamento psíquico moldado por ideologias que circulam na sociedade, no caso, a ideologia de bem falar.

Uma explicação mais detalhada e esclarecedora pode ser acessada no site no link Textos e Livros “Gagueira na Infância” (disponível em español e português).

Silvia Friedman
Fonoaudióloga e Doutora em Psicologia Social
Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo