Causas

Considerações sobre as causas da gagueira

Quando se fala em causas da gagueira, a tarefa se assemelha a de um “detetive a procura das provas de um crime”. Ele terá de examinar todas as possibilidades ligadas ao acontecimento. A proposta aqui não será muito diferente, irá se procurar evidencias que possam explicar como a gagueira se instala num individuo sadio numa determinada idade.

Já de inicio, ao tentarmos definir o que seja gagueira, deparamos com certas dificuldades. Existe um consenso de que a fala com gagueira contenha repetições de silabas e palavras, prolongamentos e bloqueios de sons. Infelizmente a definição em si já traz problemas, uma vez que pessoas consideradas não gagas também falam com estas mesmas características tendo como diferença uma menor quantidade de interrupções. Outra dificuldade a ser citada é a analise de quem são os juizes que decidem quem está gaguejando ou não. De onde saem os critérios usados pelo ouvinte? A partir das características de sua própria fala? A dificuldade de delimitação estabelece o primeiro empecilho para classificar quem gagueja e quem está apenas hesitando na fala. O inicio da gagueira situa-se entre a idade de 2 a 6 anos e nesta idade são muito comuns as hesitações. Essa faixa de idade sugere também que a criança começa a gaguejar depois que domina sua linguagem o suficiente para transmitir as idéias de maneira mais rápida de modo a manter uma conversação. Será que a habilidade lingüística tem alguma coisa a ver com o inicio da gagueira? Fica difícil provar, já que a maioria das crianças consegue passar por essa fase muito bem e um grupo muito pequeno não. O que separaria os dois grupos? Culpa de pais exigentes que escutam gagueira onde talvez ela não exista passando a partir de suas “escutas” a dar conselhos aos filhos do tipo: “fala direito…. respira e fala… para de repetir,” ou culpa da própria criança que não aceita sua maneira de falar?. O ato de falar é um ato simples, mas ele pode se tornar complicado e acabar resultando num esforço motor já típico da gagueira instalada. A criança que está apenas começando a falar tem por habito fragmentar e fala em unidades menores (a silaba) duas ou mais vezes se sente uma dificuldade motora em falar o todo. Este fato pode nos explicar as inúmeras repetições de silabas encontradas na grande maioria das crianças de 2 a 6 anos.

Será que a criança não consegue organizar o pensamento de maneira mais rápida? Não se pode afirmar ainda que o pensamento tenha áreas especificas no cérebro. Tudo indica que se elabore o pensamento utilizando todas as áreas corticais disponíveis. Para pensar, possivelmente utilizamos, sobretudo, áreas cerebrais do parietal e do temporal, impulsos bio-elétricos nas sinapses e a ativação e inibição nos neurônios. Para falar utilizamos áreas corticais motoras especificas no lóbulo frontal, usamos o Bulbo para a atividade da respiração/fonação e a ativação e inibição de músculos nos pares cranianos. Áreas cerebrais diferentes não podem ser nem comparadas nem responsabilizadas pelo complexo ato de pensar e falar.

Se a silaba ou a palavra está sendo repetida ou prolongada e o gago não faz a modificação do que é falado como deveria, pode-se pensar que esteja havendo três possibilidades:

1. Quem gagueja faz uma analise mal feita do que acabou de falar, não percebendo a repetição ou o prolongamento, o que corresponde a dizer que há um defeito no seu feedback auditivo.
2. Quem gagueja não analisa o que é falado, e como todos nós corrigimos automaticamente pequenas falhas na emissão da fala, pode-se pensar que esteja havendo falha no sensor maior ou no sistema nervoso central.
3. Quem gagueja faz a analise do que acabou de falar, mas a pessoa não sabe ou não consegue corrigir a falha. O problema neste caso é com a unidade executora os músculos e órgãos da fala.

Será que a criança gaga nasce com o mecanismo de feedback defeituoso? Pode ser. É o caso de se analisar as trocas fonêmicas/fonéticas muito comum nas crianças menores como as dislalias (trocas de sons) e os casos de atrasos de linguagem em que falta o feedback lingüístico dado pelos pais. Sabe-se que no adulto gago a introdução de um atraso no feedback auditivo (DAF) gera fluência. Falta determinar porque o defeito no feedback acontece, quando e como ele começa.

Todos sabem e, sobretudo os gagos sabem, que quando se canta não há gagueira. Este fato sugere que poderia haver uma desordem a nível motor ou cerebral no ritmo da fala, uma vez que alterações no ritmo trazem fluência. Não resta duvida que as batidas do ritmo atuam no cérebro de alguma maneira. É o caso de se observar: as batidas do coração, o ritmo das ondas cerebrais, a maneira de se ninar as crianças. Pode ser que o sinal do ritmo alerte o cérebro que a próxima silaba ou palavra deve ser dita em seguida trazendo a fluência ou mesmo que o ritmo facilite o encadeamento das palavras.

Existe sempre a possibilidade da criança ficar ansiosa ao comunicar-se por exigências suas internas ou do meio ambiente. A ansiedade normalmente transforma o momento de falar numa luta. O que era natural vira um habito de falar ou uma gagueira instalada. Infelizmente a gagueira na criança nunca é diagnosticada pelo especialista; no caso o fonoaudiólogo, mas por leigos; como: pais, avós, pediatras e até vizinhos. Por outro lado, existe ainda a hipótese de que a gagueira possa ser um habito aprendido. Assim como o cão de Pavlov aprendeu a associar o toque do sino ao comportamento de salivar a criança pode ter aprendido por associação à frases do tipo; “fala devagar… pensa antes de falar… fica mais calmo e fala”, ao habito de modificar sua fala na hora de falar. Surgem duvidas sobre a habilidade para falar, seguida de uma luta para falar melhor e ai nasce o habito de gaguejar toda vez que vai falar. Uma vez o habito instalado torna-se muito difícil voltar-se atrás sem uma ajuda especializada.

Grande parte das pesquisas feitas indicam que um numero expressivo de indivíduos ficaram curados da gagueira espontaneamente, ou seja, sem tratamento. Que perguntas este fato nos traz? Houve uma maturação cerebral ou uma nova organização no cérebro? Foi estabelecida uma nova seqüência articulatória? O Feedback auditivo organizou-se de modo a fornecer informações corretas de como a pessoa está falando? Foi aprendida uma nova maneira de falar, com menos luta ou esforço? A pessoa perdeu o medo ou a ansiedade ligada à fala e conseguiu controlar-se de modo efetivo?

Não temos respostas precisas para todas as duvidas levantadas aqui, mas das perguntas feitas é possível elaborar planos de tratamento efetivos. No tratamento da gagueira infantil e do adulto é preciso modificar:

– A conscientização dos pais sobre o que seja realmente uma gagueira instalada.
– O meio ambiente da criança e como se deve lidar com a ansiedade.
– A organização e maturação lingüística.
– As habilidades motoras da fala.
– A conscientização das repetições e dos bloqueios.
– O ritmo de fala e a maneira de falar.
– O habito de repetir silabas, prolongar os sons e prender a respiração no momento de falar.
– A visão de quem gagueja sobre o fato de ter medo no momento de falar.

Regina Jakubovicz
Fonoaudióloga – CRFa 906
Doutora em fonoaudiologia pelo Museu Social Argentino
Professora da Universidade Estácio de Sá
Autora de livros sobre gagueira