Tratamentos

Escolha de Objetivos Terapêuticos para Distúrbios de Fluência: Programa ou Processo?

De 16 a 22 de outubro de 2005

A concepção de terapia fonoaudiológica para os distúrbios de fluência está alicerçada nas concepções de ser humano de cada profissional e de cada pessoa que gagueja.

Faz muita diferença se a concepção é de gago ou de pessoa que gagueja. Se é de uma pessoa que aceita passivamente integrar-se num programa, ou de uma pessoa que participa de todas as etapas de decisão e realização da terapia. A partir destas concepções é que se pode falar sobre a escolha dos objetivos a serem atingidos na terapia fonoaudiológica para os portadores de distúrbios de fluência.

Uma concepção de terapia fonoaudiológica centrada na pessoa que gagueja (PQG) e não na patologia, permite desenvolver um processo terapêutico que corresponda às necessidades específicas de cada sujeito. Portanto, é preciso diferenciar um processo terapêutico de um programa terapêutico.

Um programa terapêutico é pré-determinado. Existe por si próprio, é centrado na patologia, não na pessoa. Não considera as diferenças individuais e proporciona um enquadramento da pessoa que gagueja naquele formato específico. Por isso, boa parte das vezes não funciona conforme o programado.

Um processo terapêutico tem a pessoa que gagueja como centro. Responde às necessidades de um indivíduo em especial, preconiza a discussão do que fazer, quando fazer, por que fazer, onde fazer, que medida pode ser adequada àquela pessoa em particular. Pressupõe o estabelecimento de hierarquias, onde as aprendizagens são interligadas e relacionadas entre si e vislumbra o alcance dos objetivos em situações de vida real.

A terapia para portadores de distúrbios de fluência é uma integração de objetivos e o seu progresso segue uma hierarquia de dificuldades a serem entendidas e superadas. É um processo multidimensional, de fazer decisões e de resolver problemas junto com a PQG. O estabelecimento de objetivos é essencial para permitir uma postura ativa do sujeito e auxilia na elaboração da estratégia de ação, além de servir de critério para se saber em que medida os objetivos foram alcançados. Para obter-se resultados positivos na intervenção, é preciso estabelecer objetivos possíveis de realizar, considerar e adequar as expectativas da PQG ao processo terapêutico, com a intenção de maximizar os aspectos positivos e minimizar os negativos. O tempo médio de terapia ficará na dependência dos critérios quantitativos e qualitativos a serem atingidos. Alguns dos objetivos que precisam ser trabalhados durante um processo terapêutico devem facilitar:

o aumento da coordenação entre as funções respirar e articular as palavras
o aumento da qualidade do planejamento motor
contatos leves nos pontos de articulação
a redução da velocidade da fala
o aumento do tempo de espera entre turnos
a melhora do planejamento da linguagem
o aumento da manutenção do fluxo de ar e/ou sonoridade
a redução da tensão durante os bloqueios
contatos articulatórios leves
o aumento da percepção das diferenças entre sons longos e curtos, surdos e sonoros, tensos e relaxados
o planejamento da linguagem e da coordenação motora
as atitudes positivas frente às situações de fala
a melhora da atitude frente ao ato de comunicar-se
reforçar a nova fala fluente

Também é preciso esclarecer-se a respeito do conhecimento do profissional sobre a gagueira. Atualmente, é impossível negligenciar as contribuições das neurociências para o entendimento desta ruptura no fluxo da fala. Estas contribuições redirecionam o pensar a gagueira e o fazer terapêutico da Fonoaudiologia para este distúrbio. E deveriam instigar a todos para a pesquisa e a compreensão daquilo que ainda não está completamente desvendado.

As pessoas adultas que gaguejam devem procurar um profissional com formação específica. Esta deve ser a primeira opção, sempre que possível. Informar-se a respeito dos avanços relatados na literatura, aceitar que a gagueira ainda não tem cura, não tem graça, mas tem tratamento. Aos adultos que lidam com crianças que gaguejam, a recomendação é a mesma, com uma importante e especial atenção para a faixa etária. Portanto, não espere! Assim que a criança iniciar a gaguejar, procurar um fonoaudiólogo com formação na área. Crianças que gaguejam não devem tornar-se adultos que gaguejam. Como já se sabe, há tratamento. E este tratamento é fonoaudiológico.

Anelise Junqueira Bohnen é fonoaudióloga (CRFa/RS 5587), docente do Curso de Fonoaudiologia da ULBRA (RS), doutoranda no Instituto de Letras da UFRGS na linha de pesquisa “A Linguagem no Contexto Social” e autora de livro, capítulos e artigos científicos.