Gagueira Infantil

Gagueira Infantil

Um ponto de concordância entre os que se dedicam a estudar os problemas de fluência é que a chamada gagueira de desenvolvimento na literatura especializada ou simplesmente gagueira, pelo senso comum, surge sempre na infância, num período que vai aproximadamente dos 3 aos 6 anos. Nesta fase a criança está adquirindo linguagem e este processo exige prontidão para desenvolver vocabulário e organizar sentenças, sendo bastante freqüente o aparecimento do que se chama disfluência infantil. Em termos da aquisição da linguagem esta disfluência é explicada pela busca de palavras adequadas, num léxico ainda muito reduzido, pela tentativa de elaborar sentenças e se comunicar com adequação. Nestes momentos a criança vacila, usa um tempo mais longo para começar a falar, pára no meio da frase, prolonga ou repete alguns sons, o que é visto por muitos, principalmente pelos pais, como o início de uma gagueira, problema em geral, temido e não aceito.

A disfluência infantil, habitual na época de aquisição da linguagem, tem recuperação espontânea e tende a diminuir logo que a linguagem se desenvolva. A palavra diminuir foi usada aqui propositadamente, já que é sabido que falantes considerados fluentes apresentam disfluências que, embora algumas vezes até sejam freqüentes, não caracterizam uma gagueira.

A gagueira infantil surge na mesma época e tem características semelhantes às da disfluência infantil, o que torna difícil o diagnóstico diferencial. Acredita-se que algumas crianças já trazem em seu código genético a tendência para gaguejar e são estas que não têm recuperação espontânea, persistem desenvolvendo gagueira e tornando-a crônica.

A discussão sobre as características que diferenciam a disfluência infantil da gagueira é intensa entre os especialistas da área e relevantes pesquisas têm sido conduzidas em várias Universidades do mundo. Os pesquisadores buscam conhecer quais os fatores de risco para o aparecimento da gagueira e assim trabalhar sua prevenção e intervenção precoce. Um dos principais grupos de trabalho na pesquisa sobre gagueira é o “The Stuttering Research Project” da Universidade de Illinois, liderado por Ehud Yairi com a colaboração de representantes de várias Universidades.

A incidência de gagueira no mundo justifica essa preocupação já que pesquisas recentes comprovam que por volta de 1% da população do mundo tem gagueira, o que é considerado um número significativo. Outra comprovação diz respeito à maior ocorrência de gagueira em indivíduos do sexo masculino. A cada quatro meninos que desenvolvem gagueira uma menina apresenta o problema, sendo que as meninas, segundo pesquisa (Yairi 2005), recuperam-se com mais facilidade. Não há diferença de incidência entre raças.

A idéia mantida até pouco tempo atrás de que os pais, com suas angústias e críticas colaboram para a instalação da gagueira na criança está superada e a tendência mais forte é acreditar na predisposição genética, vista por muitos estudiosos como responsável pelo aparecimento e manutenção da gagueira. Esta característica genética não é necessariamente hereditária, já que apenas parte dos gagos tem ascendentes ou descendentes que gaguejam. Muitos genes são apontados como sendo os responsáveis pelo aparecimento da gagueira e, embora os pesquisadores concordem que há uma alteração nos genes, admitem que estes ainda não foram totalmente identificados, o que coloca os resultados como ainda não conclusivos. Não conclusivos também são os resultados de pesquisas na área da neurologia, embora já apontem para avanços significativos nessa área.

Outra idéia também já superada, é a de que a terapia da gagueira em crianças pequenas deve ser indireta, isto é, os pais são orientados a lidar com seus próprios sentimentos relacionados à gagueira do filho, modificar suas atitudes e trabalhar sua aceitação. Na crença de que esta orientação é suficiente para resolver a gagueira infantil, a criança não recebia indicação de terapia. Esta idéia está sendo complementada com a indicação de terapia direta, isto é, após avaliação é agora freqüente a indicação de terapia, mesmo para crianças pequenas, o que a ajuda a lidar melhor com seu problema e superá-lo em menos tempo, com maior facilidade e menor sofrimento.

Também não merece mais crença a idéia muito difundida, até há pouco tempo atrás, de que a criança não tem consciência de sua gagueira e por isso não se deve comentar com ela sobre este problema. Os pais não deveriam falar com a criança sobre a gagueira e de nenhuma forma ser dito que ela gagueja. Percebe-se agora que a criança reconhece a sua gagueira e muitas vezes se fecha para a comunicação com medo de expressá-la, de ser notada e criticada. Nestes casos é preciso lidar com a verdade, fazendo-a entender que seu problema é notado e aceito e, principalmente, que existem meios para superá-lo. As crianças reagem positivamente a este enfrentamento e colaboram na terapia.

As pesquisas de Yairi revelam que a idéia difundida sobre o aparecimento gradual da gagueira infantil não é verdadeira. A gagueira pode surgir repentinamente, de forma intempestiva sem que haja um fator que a precipite. O senso comum tende a acreditar que um trauma físico, uma queda, por exemplo, um susto ou uma forte emoção pode ser responsável pelo surgimento da gagueira. Isto não é aceito pela comunidade científica.

Outra constatação, fruto de observação clínica e pesquisa é a de que não é verdadeira a idéia de que em seu início a gagueira é sempre leve, desprovida de tensão. Muitas vezes a criança apresenta gagueira severa, com tensão evidente que pode se manifestar em qualquer parte do corpo. Já vi crianças pequenas que apresentavam movimentos oculares durante a gagueira, movimentos de cabeça e pescoço que nada tinham a ver com o conteúdo comunicado, por exemplo.

Pesquisas têm revelado (Conture 2005) que os gagos são, em geral, mais sensíveis e reagem emocionalmente com mais intensidade do que os não gagos. As situações de estresse são mais freqüentes. A observação clínica confirma que as crianças gagas são sensíveis e mais vulneráveis, o que deve ser considerado durante o processo de avaliação e terapia.

Em síntese: a gagueira infantil é um problema que surge com considerável freqüência e que requer acolhida e tratamento especializado. Há fortes indicações de que a gagueira tem origem genética e fica claro que o seu aparecimento não depende do sentimento e atitude dos pais. A terapia direta é a mais indicada, embora com freqüência os pais precisem de orientação e participação no processo terapêutico. Mesmo em crianças pequenas e, ainda que não tenha sido diferenciada da disfluência infantil, a gagueira precisa ser avaliada, identificada e a ação muscular que a forma deve ser trabalhada em direção ao equilíbrio. Como indivíduo sensível, a criança reage emocionalmente à sua gagueira e por isso exige escuta, acolhimento e compreensão de suas dificuldades. A terapia, portanto, deve direcionar-se não só para a gagueira, mas também para a pessoa, seus sentimentos e atitudes. É indicado ainda que na terapia seja desenvolvida a consciência da gagueira e a percepção da possibilidade de fala fluente.