Tratamentos
Terapia Fonoaudiológica para Gagueira em Crianças e Adultos
De 16 a 22 de outubro de 2005
Meu modo de ver a gagueira advém da prática clínica e foi sendo/vem sendo respaldado por estudos contínuos nas áreas da Fonoaudiologia, da Psicolingüística, da Psicomotricidade, da Psicologia e da Psicanálise.
Minha postura básica é a de que as pessoas com queixa de gagueira têm peculiaridades próprias, tanto em seu modo de ser como em seu quadro de rupturas na fala. Assim, utilizo as diversas abordagens disponíveis de acordo com as demandas do paciente, atenta aos meus limites profissionais e pessoais. No que se refere especificamente à gagueira, entendo que ela pode ser o resultado de diversos fatores interligados e que a função do fonoaudiólogo é, junto com o paciente, destrinchar este emaranhado e vislumbrar maneiras melhores, mais fáceis, mais recompensadoras de se comunicar.
Considero básico, no atendimento clínico, a distinção entre a gagueira na infância e a gagueira do adulto. A área que intermeia estes dois extremos, pode se aproximar mais de um pólo do que de outro, de acordo com a maturidade da pessoa, seu comprometimento de fluência e o prejuízo que a gagueira lhe traz.
Com relação à gagueira na infância, minha postura é principalmente de investigação, deixando as interferências diretas limitadas ao estritamente necessário, norteando minha conduta a partir do que considero mais geral em direção ao mais específico, conforme detalho a seguir.
Entendo que a gagueira na infância pode ser o resultado de dificuldades em questões muito básicas ao indivíduo, como desenvolvimento, segurança, afeto e atenção.
Assim, num primeiro momento, foco minha atenção no bem-estar infantil, tanto físico, como psíquico – verificando seu desenvolvimento neuropsicomotor, sua interação com os demais, sua intenção comunicativa e sua comunicação corporal e gestual. Sendo necessário, atuo nesta área, seja através de orientação aos familiares e professores, seja através de terapia com a criança, encaminhamento a outros profissionais ou associação de algumas destas alternativas.
Em um segundo momento, minha atenção é voltada para a comunicação de modo mais direto, averiguando as habilidades motoras orais, a articulação, a inteligibilidade da fala, a recepção auditiva, a atenção e a disponibilidade para efetuar mudanças. Havendo dificuldades nestas áreas, elas são trabalhadas em propostas lúdicas, que levam em consideração a maturidade da criança. O objetivo é favorecer que venha à tona a fluência espontânea.
O terceiro momento, abordado somente se necessário, é voltado à dissolução de tensões específicas e à redução da ansiedade que possam estar perturbando a fluência da fala.
Apenas em um último momento, caso as rupturas de fluência persistam, meu enfoque se dirige à abordagem direta das rupturas de fala, com introdução de manobras facilitadoras da fluência, pois, assim atuando, é necessário ter maiores cuidados, uma vez que se corre o risco de não estar mais investindo em fluência espontânea, mas sim em fluência controlada. Para mim, o resultado ideal da abordagem fonoaudiológica em fluência na infância é a situação em que a criança passa a apresentar fluência e nem tem consciência do que ocorreu neste processo terapêutico, só recordando que brincou bastante, em uma interação agradável.
Todos estes “momentos” que citei, não têm tempo definido de duração, nem constituem uma seqüência obrigatória: são raciocínios que são feitos no decorrer do contato terapêutico. Casos existem que necessitam, para alívio rápido da ansiedade, de uma intervenção direta nas rupturas da fala enquanto outros casos se resolvem apenas com os cuidados com o bem estar infantil.
Já com o adulto, vejo o trabalho em um enfoque um pouco diferente. Este não tem a flexibilidade mental, neurológica e orgânica de uma criança. A vivência da gagueira em seu dia-a-dia, durante anos, muito provavelmente deixou marcas profundas em sua fala e em sua visão sobre esta. A pessoa pode também ter tido sua auto-estima rebaixada e criado uma sensação de impotência frente à sua comunicação.
Assim, na terapia com o adulto, os meios empregados são as interações nas quais se ventilam os conceitos de capacidade pessoal, de fluência, de auto-conceito, de enfrentamento de situações difíceis, paralelamente ao trabalho de percepção e domínio corporal e especificamente da musculatura oral, de adequada utilização do potencial respiratório na fala, da familiarização com o ato de fala, entre muitas outras facetas.
O enfoque para o adulto deve estar voltado para o delicado equilíbrio entre possibilidade de modificação e necessidade de aceitação. A possibilidade de modificação se refere tanto ao trabalho objetivo com o aprimoramento da fala e da fluência, como à busca de uma nova visão de suas potencialidades pessoais e de comunicação. A necessidade de aceitação se fará tanto mais presente quanto menos resultados forem obtidos na modificação. A terapia decorre dentro de uma revisão contínua de objetivos: nossa meta é a fluência, mas muitas vezes será preciso reconsiderar este objetivo, num aprendizado de vida que pode ser ainda mais rico do que a conquista da própria fluência.
O tempo para terapia é muito variável. Costumo brincar com a questão dizendo que já dei alta em uma única sessão com uma criança e que por outro lado acompanhei um outro paciente por cinco anos! Ambos os casos, surpreenderam os pais dos pacientes e a mim mesma, mas obviamente, tratavam-se de questões específicas a cada um destes indivíduos. A média de tempo que costumo planificar é de dois anos, em sessões bissemanais, incluindo neste prazo os acompanhamentos em direção ao desligamento da terapia, que são mais espaçados. Para as crianças este tempo costuma ser menor.
Eliana Maria Nigro Rocha é fonoaudióloga clínica (CRFa 2825/SP), fonoaudióloga-encarregada do Setor de Fonoaudiologia do Hospital do Servidor Público Estadual – SP, mestre em Lingüística pela Pontifícia Universidade Católica – SP e autora de capítulos de livros científicos.