Tratamentos

Tratamento Neurolingüísticomotor da Gagueira

De 16 a 22 de outubro de 2005

Claudia Regina Furquim de Andrade (1)

Fernanda Chiarion Sassi (2)

Fabíola Juste (3)

Em termos fonoaudiológicos, a Stuttering Foundation of America, 1995, considera que os tratamentos de gagueira podem ser divididos, tradicionalmente, em dois grandes grupos: de modificação da gagueira e de modelamento da fluência. Os tratamentos baseados na modificação da gagueira fundamentam-se na teoria de que a maioria das disfluências é resultado das evitações, conflito ou esforço para falar. O processo terapêutico inclui a redução das evitações, dos medos e das atitudes negativas relacionadas à fala. Pode também incluir a modificação da forma da gagueira, da tensão e da velocidade da fala. As principais referenciais sobre o assunto são: Luper e Mulder, 1964; Sheehan, 1970; Van Riper, 1973; entre outros. Autores como Fransella, 1972, e Healey et al., 1998, também trabalham nessa linha de modificação da gagueira pela reconstrução e mudança pessoal.

Os tratamentos fundamentados no modelamento da fluência baseiam-se na teoria de condicionamento e programação dos princípios da fluência, pelo monitoramento da atividade motora. O processo terapêutico inclui um controle inicial da fluência que, gradualmente, passa a se aproximar dos padrões normais de conversação. As principais referências sobre o assunto são: Perkins, 1973; Webster, 1995; e Gregory, 1980; entre outros. É nessa linha que o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica da Fluência e do Processamento Motor da Fala (LIF-FPMF) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo vem desenvolvendo seu trabalho e suas pesquisas.

O LIF-FPMF oferece à população atendimento especializado em gagueira através de programas de tratamento diferenciados para crianças, adolescentes e adultos. A filosofia dos programas de promoção da fluência é baseada na ideologia (Andrade, 1998, 1999, 2002, 2003ab, 2004) de que os tratamentos fonoaudiológicos devem ser dinâmicos; controlados (metodologia de avaliação, duração, conteúdo, e eficazes em seus resultados); e devem levar em conta, principalmente, a realidade brasileira – limitação de recursos públicos na saúde e na recuperação da comunicação humana; a quase inexistência de tratamentos fonoaudiológicos para adultos; o preconceito contra os gagos; a dificuldade para que os empregadores permitam o afastamento do local de trabalho para a realização de tratamentos com prazo indeterminado etc.

O LIF-FPMF entende que a gagueira crônica é um distúrbio altamente complexo que envolve a capacidade de fala, de linguagem e as emoções e sentimentos intra e interpessoais. Não é uma doença ou uma síndrome, mas influencia o desenvolvimento pessoal e as interações sociais. Os programas terapêuticos propostos, quer para crianças, adolescentes ou adultos, não são uma panacéia, ou seja, não servem para todos os gagos, mas quando aplicados adequadamente tem apresentado resultados bastante positivos, compatíveis com os índices internacionais de sucesso terapêutico (75 a 80%). Contudo, para que um tratamento possa ser realmente eficaz, algumas observações se fazem necessárias:

a) o cliente, e no caso de crianças, sua família, devem estar comprometidos com a proposta terapêutica;

b) o cliente deve reconhecer que seus mecanismos de controle da gagueira autodesenvolvidos (principalmente no caso de adolescentes e adultos) possivelmente em vez de estarem ajudando-o estão prejudicando e devem ser abandonados;

c) o cliente e sua família devem estar preparados para uma série de modificações em sua atual estrutura de vida;

d) o cliente e terapeuta devem ter uma visão realística do que seja um indivíduo fluente, ou seja, 100% de fluência, 100% do tempo em 100% das situações é utopia;

e) o fonoaudiólogo tem que ter conhecimento acadêmico da gagueira e dos vários recursos terapêuticos que possam ser necessários para a adequação do tratamento à realidade de cada cliente;

f) o fonoaudiólogo tem que ter experiência com a gagueira e treinamento para a aplicação do tratamento;

g) cliente e terapeuta devem, juntos, detalhar e ajustar a proposta terapêutica ás necessidades e momentos particulares da vida de ambos.

De maneira geral, o LIF-FPMF oferece, atualmente, os seguintes programas terapêuticos (cabe ressaltar que todos esses programas são decorrentes de anos de estudo e pesquisa na área). Os programas são desenvolvidos em 12 sessões, semanais, seqüenciais, com 50 minutos de duração:

Crianças:

a) programa para crianças com baixo risco à cronicidade: o objetivo é sensibilizar a família para o conhecimento dos fatores e atitudes positivas e negativas para fluência, com base no caráter pragmático e interativo da comunicação humana. O pressuposto do programa é através de uma intervenção indireta – familiar – incentivar atitudes comunicativas favoráveis que promoverão a fluência da fala da criança;

b) programa para crianças com médio risco à cronicidade: o objetivo é sensibilizar a criança e a família sobre os benefícios da fala suave e lentificada como elemento fundamental para a fluência. O pressuposto do programa é pela intervenção direta – criança e família participativa – incentivar através de atividades lúdicas de base lingüística a suavização e lentificação da fala;

c) programa para crianças com alto risco á cronicidade: este programa envolve três etapas. O objetivo é sensibilizar, num primeiro momento, a criança e a família que a fala fácil é relaxada e relativamente lenta e a fala difícil é tensa e rápida. Num segundo momento oferecer à criança técnicas específicas de modelamento da fluência, e numa última etapa sensibilizar a criança e família a entender a gagueira e a modificar a fala disfluente.

Adolescentes/Adultos:

a) fase 1: o objetivo do programa é a promoção da fluência com base no uso de técnicas específicas para promoção da fluência (suavização dos movimentos articulatórios, temporalização e flexibilização da fala);

b) fase 2: o objetivo do programa é a manutenção dos recursos de promoção da fluência aprendidos em etapa anterior, associados à situações de vida diária;

c) velocidade de fala: o objetivo do programa é adequar a velocidade de fala e a coordenação pneumofonoarticulatória visando uma fala, além de mais fluente, mais confortável.

(1) Claudia Regina Furquim de Andrade é professora titular da FMUSP.

(2) Fernanda Chiarion Sassi é doutora em Ciências pela FMUSP.

(3) Fabíola Juste é doutoranda em Semiótica e Lingüística Geral pela FFLCH/USP.