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Moderadora da Abra de Montes Claros/MG divulga carta as professores sobre pessoas que gaguejam


A moderadora da Abra Gagueira de Montes Claros/MG, Viviane Gandra, divulgou uma carta aos professores sobre as pessoas que gaguejam. 

A carta se chama “Professores, me escutem! Eu só falo diferente”. Confira abaixo na íntegra:

Professores, me escutem! Eu só falo diferente.

Professores, me escutem! Eu sou uma pessoa que gagueja, falo diferente, posso precisar de mais tempo para falar. Em alguns momentos, posso repetir palavras, ter prolongamento ou bloqueios na fala. Mas está tudo bem comigo! Eu só falo diferente. Quero que vocês saibam que a minha gagueira é involuntária, eu não consigo controlar. Além disso, a causa da minha fala ser diferente não é porque estou nervosa, eu tenho gagueira.

Vocês sabem o que causa Gagueira? As pesquisas científicas revelam que a gagueira é um transtorno de fluência de origem neurobiológica, multifatorial, com forte influência genética. Por isso, professores, a causa da minha gagueira não é emocional. Quando eu for apresentar um trabalho ou forem conversar comigo, não peçam para eu respirar, ficar calma e falar. Eu sei o que realmente quero dizer, eu só preciso que vocês, que são meus ouvintes, tenham paciência, fiquem calmos, mantenham o contato visual comigo e saibam esperar meu tempo de fala.

Professores, vocês já devem ter percebido que sou bem calada na sala de sala de aula, evito responder em voz alta as suas perguntas, demoro responder a chamada, com o presente ou citando meu nome, mas eu não sou tímida! Gostaria de participar, porém eu não faço, pois já sofri e sofro com as piadas dos meus colegas sobre a minha fala, por isso escolhi ser tímida, para evitar constrangimentos!

Professores, me escutem! Façam atividades e ensinem que todos os estudantes tem um tempo de falar, de escutar e que todos falam diferente, e que o mais importante não é a forma como eu falo e sim o conteúdo que transmito. Gostaria de fazer um pedido: no dia que todos os estudantes tiverem que falar em voz alta, deixa eu ser uma das primeiras, pois se eu for uma das últimas, ficarei tensa, sofrendo internamente, pensando se conseguirei falar o que quero dizer e, com isso, agravar minha gagueira.

Mas, antes, converse comigo separadamente e me pergunte o que será mais confortável para mim no dia. Sabe por que professores? Porque têm dias que gaguejo mais; outros dias, menos, ou até no mesmo dia tenho variações na minha fala, pois o funcionamento do meu cérebro na área da fala é diferente. Isso não quer dizer que não sou capaz; pelo contrário, sou inteligente. Conheço pessoas que gaguejam que são professores, porteiros, vendedores; pintores; atores, cantores; médicos; técnico de segurança do trabalho; assistentes sociais; psicólogos; fonoaudiólogos; advogados; engenheiros; cientistas; jornalistas; administradores; jogadores de futebol; presidente de um País e tantas outras profissões. Então, eu posso ser o que quiser… e serei!

Professores, outra coisa que quero dizer: não complete a minha frase e nem tente adivinhar o que estou tentando falar. Isso é muito ruim! Como já falei no início dessa carta, eu sei exatamente o que quero dizer. Crie ações que vão estimular minha comunicação e interação social, como por exemplo: peça para eu ler em voz alta em dupla ou em coro, porque quando leio junto aos meus colegas, favorece a minha fluência. Mas o dia que eu quiser ler em voz alta sozinha, eu avisarei, para que vocês me incentivem e possam orientar meus colegas a respeitarem meu tempo de fala.

Professores, eu sei que vocês são excelentes profissionais, são dedicados e querem o sucesso de seus estudantes. O que escrevi aqui nesta carta é para que vocês saibam que as suas ações são muito importantes para que eu, pessoa que gagueja, e todas as outras que falam diferente precisamos nos sentir acolhidas e respeitadas. Conheço pessoas que gaguejam que não seguiram seus estudos por falta de acolhimento nas suas escolas.

Professores, muito obrigada por lerem minhas palavras e por me escutarem. Tudo que escrevi foi baseado nas experiências que vivenciei, nos textos que os pesquisadores da área escreveram e nos ensinamentos que aprendi com os profissionais que se dedicam ao estudo da gagueira, tanto os que passaram quanto os que ainda estão em minha vida. Nunca se esqueçam: a diferença faz parte da nossa sociedade; no Brasil, somos aproximadamente 10 milhões de pessoas que gaguejam.

Com carinho, de uma aluna que gagueja, que, depois de uns anos, tornou-se professora.

Viviane Bernadeth Gandra Brandão
Doutora em Educação pela PUC-MINAS. Assistente Social e Licenciada em Letras-Espanhol. Docente na Universidade Estadual de
Montes Claros-UNIMONTES no Departamento de Política e Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE.
Moderadora de grupo de Apoio à Pessoa que Gagueja e Integrante do Comitê Científico da Associação Brasileira de GagueiraABRAGAGUEIRA.

Carta para Professores